16/11/2011
Campus Anápolis

Artigo 

E o trem não chega! Cadê o trem, sô?

Itami Campos

Cientista Político; pró-reitor de
Pós-Graduação, Pesquisa e
Extensão da UniEVANGÉLICA

A ferrovia tornou-se fundamental para o desenvolvimento econômico de muitos países, especialmente em países continentais: Estados Unidos da América do Norte, Europa e Rússia tiveram na via térrea o fator de integração e de desenvolvimento. Quando a questão do transporte é tratada na perspectiva de custos, tem-se que a hidrovia apresenta-se como melhor alternativa, seguida pela ferrovia, veja-se o consumo energético comparativo entre hidro/ferro/rodo expresso em 1:3:10, ou seja, se a hidrovia consume 1 vez, a ferrovia consome 3 vezes e a rodovia 10 vezes.

Outro estudo estima que o transporte de 1 tonelada de soja por um caminhão teria um custo de 67 dólares, enquanto por trem de ferro custaria a metade (33 dólares). E, além de custos, tem que levar em consideração a questão ambiental, o caminhão emite 3 vezes mais óxido de nitrogênio e dióxido de carbono que uma locomotiva.

Por outro lado, hidrovia e ferrovia dependem de investimentos maiores na implantação, se a rodovia pode ter menor custo na implantação, tem maior custo na manutenção, sendo também bem maior o custo da tonelagem transportada, como ficou dito anteriormente. Considerando isso, é interessante observar como no Brasil, ocorreu uma inversão.

Embora a ferrovia tenha sido implantada ainda no Império e tivesse contribuído para o desenvolvimento e integração de muitas regiões, sendo até os anos 1960 o principal meio de transporte de carga e, talvez, de passageiro, logo a questão se altera. As rodovias tornam-se com a construção de Brasília e com o desenvolvimentismo de Juscelino Kubistchek fator de integração nacional.

A ferrovia, equivocadamente, tornou-se coisa do passado – o caminhão, o ônibus e automóvel consolidam-se como transporte de carga, de passageiro e individual. A rodovia como meio de transporte torna-se fator de progresso e o automóvel de status. Alimentando essa ideologia está uma bem articulada indústria e um forte lobby, presente no parlamento, nos governos e nas campanhas políticas – o asfalto que o digam.  Embora integrado, o país tem sérios problemas de transporte, especialmente no escoamento da produção, resultando no alto ‘custo Brasil’.

Daí a perspectiva que se abre com a via férrea, tornando possível a integração de regiões historicamente isoladas, especialmente com o lançamento da Ferrovia Norte-Sul. Projetada inicialmente para ter 1.550 km, ligando os Estados de Maranhão, Tocantins e Goiás, numa região em que o agronegócio está estabelecido e com possibilidade de crescimento. Com a construção iniciada na década de 1980, tem apenas um trecho de 710 km em operação e outro sendo construído (855 Km), ligando Palmas (TO) a Anápolis (GO), com promessas de ser logo concluído.

Conforme a VALEC, a Ferrovia Norte-Sul teve seu traçado modificado em 2008 tendo além do traço original (Açailândia, MA a Anápolis, GO) os seguintes trechos planejados: Anápolis a Estrela D´Oeste (SP) 660  Km; daí até Panorama (SP divisa com MS) 220 Km; além de em estudo a extensão até o Porto de Rio Grande (RS), mais 1.620 Km; bem como de Açailândia  a Belém, 490 Km.

Assim, em sua extensão e com a ligação de Belém ao Rio Grande teria a ferrovia 4.576 km. Além disso, está em construção uma conexão com 1.527 km entre o Porto de Ilhéus na Bahia e Figueirópolis, no Estado de Tocantins, através da Ferrovia Oeste-Leste (FIOL), numa estratégica interligação. Este projeto, sendo executado o Brasil estaria todo interligado por ferrovia, mas quando?

Não sejamos ingênuos, o discurso técnico que pode fundamentar a defesa da ferrovia não se apresenta evidente para todo o mundo. Há outros interesses, diversos e bem articulados. O transporte de carga, a indústria automobilística e suas muitas ramificações movimentam recursos vultosos e tem fortes aliados nos ministérios, governos e no legislativo. Somente isso já poderia explicar a lentidão com que tem sido construída a Norte-Sul e o desinteresse pelo transporte ferroviário.

Ao lado disso, apresenta-se a ‘face oculta’ dos recursos públicos, com o Ministério dos Transportes, DNIT e VALEC envolvidos em denúncias, tendo em razão das denúncias seus dirigentes defenestrados pela Presidente Dilma Rousseff.  O Tribunal de Contas da União (TCU)também tem denunciado contratos irregulares e preços acima do valor de mercado, gerando  problemas e atropelos no andamento das obras.

           

Em 2010, ano eleitoral, em cada município ao longo da Norte-Sul realizaram-se seminários, debates e muitas promessas, movimentando produtores e a população pelas perspectivas de integração e desenvolvimento que a ferrovia induz. Hoje, sem continuidade e sem recursos para o cumprimento do cronograma, além do sumiço dos políticos, o desânimo é muito.

Paralisação e obras inacabadas, tendendo a ser danificadas pelas chuvas, indicam mais custos e mais atrasos. Até parece que vivemos as surradas estórias do folclore político – nas campanhas promessas e afagos, depois a distância, o descompromisso. Daí, o goiano do interior perguntar: cadê o trem, sô?

Publicado em O Popular - 06.11.2011