Opinião - 17.7.2012
A tradição renovada Itami Campos
A tradição brasileira e também latino-americana foi pautada por golpes de Estado, tomadas de poder que se sucediam, submetendo a população a controles em que ditadores tinham apoio de elites oligárquicas e de setores militares. O Brasil viveu quase todo o século 20 entre democracia ‘limitada’ e ditaduras expressas. A instabilidade institucional e o controle político não permitiam a construção da cidadania. Os direitos civis, sociais e políticos que fundamentam a efetividade da cidadania alternavam e eram concedidos na conveniência dos ‘donos do poder’.
Essa história é conhecida, mas vale lembrar o livro Cidadania no Brasil, de José Murilo de Carvalho, no qual ele trabalha com propriedade como aqueles direitos – civis, sociais e políticos – básicos na construção da cidadania vão compondo/decompondo as relações de poder no Brasil. Vivemos desde de 1985 o mais longo período em que as liberdades individuais, a organização política, o sistema eleitoral e partidário desenvolvem-se com relativa liberdade, com participação eleitoral significativa no que pode ser entendido por processo de democratização.
Muitos outros autores pesquisam e trabalham a formação brasileira, destacando os elementos culturais que foram fundamentais para a construção do que hoje entendemos por Brasil. Vivemos num país complexo, com muitos contrastes e diversidades, não somente territorial, mas também populacional e cultural. Difícil ter uma visão uniforme e linear. Se o moderno se apresenta na racionalidade e na institucionalidade das relações sociais, também o tradicional se expressa nas formas de comportamento submisso, na dependência, na cultura do favor e no clientelismo.
A alternativa que se ‘contrapõe’ a esse particularismo se apresenta com a cultura política de participação que tem orientação para ações mais universalizantes e ideologizadas. Hoje, com o esvaziamento e desconstrução do discurso ideológico, esta política teria uma natureza programática (não falei pragmática), em que princípios/filosofias fundamentariam o comportamento político. Neste caso, as políticas públicas orientam-se para a cidadania, para a participação, com vistas a uma sociedade civil organizada.
Contudo, um dos traços ainda marcantes da cultura política brasileira/goiana é o tradicionalismo, considerando-se o forte predomínio das relações pessoais e familiares nos processos políticos. Partidos políticos e organizações políticas, parlamentares e governantes normalmente pautam suas condutas e ações políticas tendo por base as relações pessoais e familiares, também clientelistas, ou seja, restritas ao círculo de relacionamento do seu grupo e eleitores.
Nesta conjunção de comportamento político, que diferenças existem entre os partidos políticos? Que os marcam ou distinguem? Nada/ Nenhuma. Também políticos e governantes alinham-se no mesmo campo de atuação, todos se comportam tradicionalmente, buscando o poder pelo poder – sem apresentarem propostas e projetos sociais, sem perspectiva republicana, procurando apenas a garantia de interesses particulares. Goiás poderia ser ilustrativo desta política.
Nas últimas décadas, a economia tomou outros rumos – a agroindústria se estabeleceu, produzindo muito e com qualidade, ganhou mercado interno, passando a exportar também. Muitos polos industriais foram implantados. A economia goiana cresceu, situando-se entre as dez primeiras do Brasil. Goiás se modernizou, não se desenvolveu... Esse crescimento não refletiu na melhora das condições de vida dos habitantes das cidades e do campo. A concentração de riqueza confronta-se com a baixa qualidade de vida da maioria da população. As indústrias que se estabeleceram, muitas com alta tecnologia, pouco contribuem para o desenvolvimento tecnológico do Estado, não estimulam pesquisas e nem participam do esforço que tem sido feito na direção do desenvolvimento tecnológico e da inovação – importam maquinários, tecnologias e até técnicos, embora muitas/quase todas tenham recursos públicos/isenções fiscais e quejandos para instalação e funcionamento.
Tanto na arena política, quanto nos espaços da economia, ao fim e ao cabo, a tradição se renova.
Itami Campos é cientista político, pró-reitor de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão da UniEvangélicaitamicampos@gmail.com
Publicado em 24.6.2012, no jornal O Popular
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